quarta-feira, 1 de março de 2017

Conto : O último baile na Ilha

*Esse conto é fictício, apesar do evento ser verdadeiro os fatos não são reais. 😊😉 

— Um baile?
— Sim senhora e não se fala em outra coisa na cidade.
— Que despautério – reclamou a mulher que agitava o leque num vai-e-vem insistente para sanar o calor daquela manhã — E o meu convite?
A pobre serviçal e portadora dos mexericos, ficou um tanto sem jeito, quando a patroa reclamou dos seus direitos, afinal quando o seu falecido marido serviu a monarquia bravamente nas expedições, a mulher era sempre convidada para participar dos jantares e passeios ao lado da realeza. E agora estava esquecida.
Clarice Montenegro, ou melhor a Madame Clarice foi casada com um dos generais do Rei mas esse perdeu a vida no mar em uma das expedições, segundo os comentários o navio afundou mas ainda quem diga que o homem com um grupo de marinheiros, levou a fortuna para bem longe dali e viviam com uma nova identidade.
Madame Clarice logo tratou de contar a grande trajetória do marido nos jornais, contando que o homem era um homem bom, fiel e cumpridor dos seus deveres e que morreu defendendo a sua pátria.
Ela queria acreditar nisso já que o Imperador também não culpou ninguém pela perda e sim as causas da natureza.
Mas, a vida da madame ficou monótona demais já que não era mais convidada para nada ainda mais na Ilha Fiscal, que era um grande cartão postal da cidade do Rio. 
E quando a sua serviçal chegou com tal novidade, achou melhor agir.
O baile aconteceria no dia nove de novembro, o ano era mil oitocentos oitenta e nove e a política sempre regeu os grandes acontecimentos desse país e aquele baile com toda certeza seria para anunciar algo novo, inquietante e surpreendente- assim pensou Madame Clarice.
A mulher então escolheu uma das suas melhores vestes, pingou algumas gotas do seu melhor perfume que já estava no fim e tinha sido presente do falecido marido. A viúva sentia falta do marido ainda mais dos presentes que agora começava a faltar.
O seu destino era fazer uma visita ao Barão de Sampaio Viana, que era o organizador de todo aquele evento a pedido do Visconde. Só que Madame Clarice não foi recebida, afinal os convites estavam sendo entregues mas nenhum dos dois mil convites tinham chegado no casebre de Madame Montenegro.
A mulher ficou furiosa, mesmo com um sorriso amável e uma educação exemplar só que não deixou por menos e antes de partir, dilacerou.
— O Imperador deveria saber como os seus homens articulam por suas costas.
— A Madame está nervosa e é compreensível – disse o secretário do Barão, que apenas olhava a mulher que tinha sido esquecida pela atual sociedade daquela cidade — Pedimos desculpas pelo o atraso do convite, é que essa festa é para a cidade senhora mas acontecerá outros e não esqueceremos do seu nome e prestigio.
— Esse será o último baile da Ilha- rebateu Madame Montenegro — E fico mais ofendida em acreditar que meu marido faleceu no mar por nada.
— O que está insinuando senhora? - Perguntou Barão com um olhar severo.
— Eu estou indo agora comprar o melhor vestido e terei o meu baile. Adeus!
A mulher deixou o gabinete pisando duro e com o olhos fixos para a saída.
— Pobre viúva...- disse o homem mais jovem
— Ela vai piorar quando souber o que vem por ai...- Falou Barão com semblante agora mais calmo — E vou pedir para que esqueça a visita dessa mulher aqui no dia de hoje, tanto você e os demais que trabalham aqui. O marido dela foi de grande serventia por um tempo e depois desse baile uma nova história vai ser escrita nessas terras e pessoas como a madame vai ter que aceitar.


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Madame Montenegro pegou uma gorda quantia de suas economias e comprou o vestido mais lindo da loja que era situada na rua do Ouvidor. O vestido era um vermelho escuro de chamalote de veludo, os sapatos de camurça mandou fazer na rua do Carmo e ainda pagou uma alta nota para ser feita com perfeição e rapidez e dessa vez usaria as joias que ganhou do marido quando completaram dez anos de casamento, um conjunto de rubis.
Madame apenas pensava “dois mil convites espalhados nessa cidade e nenhum para minha pessoa, mas ainda sim serei a mulher mais bonita desse baile, mesmo nesse calor que queima até mesmo na penumbra”
O dia do baile.
Ainda não tinha chegado a noite e os primeiros convidados começavam a chegar, por terra e embarcações. Homens e mulheres com seus melhores trajes, garbosos e sorridentes e tudo ali em volta era observado por madame que foi esquecida até mesmo por suas amigas do Reino. Ela pensou em pedir para o Imperador mas achou melhor não, afinal ela não era próxima e sim o seu falecido marido.
A noite chegou e assim dava para enxergar a belíssima iluminação da ilha Fiscal. E apesar do número de convidados ser abrangentes ainda sim ficou pessoas importantes do lado de fora, em seus barcos com suas famílias apenas observando as pessoas dançarem, beberem e escutando a seletiva canções para a tal festa. 
Madame Clarice estava só andando nas ruas de pedras, levando a sua melhor bebida de sua casa e uma taça de cristal. E com passos lentos, degustava sozinha a sua bebida e escutando de longe a agitação da festa, lembrando como era divertido e como gostava de dançar com seu amado e falecido marido.
Quando estava perto da praia, ainda só e terminando o liquido doce, ouviu alguém chamar o seu nome.
Clarice olhou alarmada em volta, dando se conta que estava um pouco longe de casa e só e com belas joias.
—Não se assuste sou eu. Aqui!
A mulher assustada, deixou a garrafa cair no chão e começou a correr, só que foi em vão, os sapatos novos logo se desprenderam de um dos seus pés fazendo com que a mulher caísse na areia fofa e uma mão forte a dominou.
— Não! Por favor! Não faça nada comigo! Leve as joias...leve!
— As joias que eu lhe dei?
Os olhos de Madame não acreditavam no que avistava. Primeiro o terror, em seguida a surpresa e depois a felicidade.
— Você...
— Achou que eu a deixaria morrer de exaustão nessas terras que mais parece o Saara minha senhora?
— Montenegro achei que tivesse...Eu e a cidade inteira...
— Não me chamo mais Montenegro. Agora sou Martins Correia e sou dono de uma vinícola no sul de Portugal, lá eu que mando.
— Já faz três anos...
— E o meu amor por ti nunca apagou e Tu?
— Sinto tanto a sua falta...
— Então vamos embora e tem que ser agora, antes que o baile acabe.
— Espere! Como assim? E o Imperador e o seu acidente no mar...
— Um dia explicarei minha Clarice e vamos porque amanhã o Imperador será deposto do cargo, a monarquia chegou ao fim.
— Que história é essa marido?
— Não temos tempo. Vamos partir agora.
Clarice seguiu Montenegro que agora era Martins Correia para o porto e sem alardes entraram em um barco de sete velas e logo deixaram o Rio de Janeiro e muitas horas mais tarde, chegariam a Portugal. Lá viveriam como reis, só que clandestinamente e presentes é que nunca mais faltaria para Clarice que agora tinha o seu marido para todo sempre.
O todo sempre...
Quando foi no dia seguinte encontraram um dos sapatos de madame Montenegro na areia da praia e uma garrafa. Logo a notícia foi espalhada. A madame não aguentou a golpe e se suicidou no mar carioca, sendo uma vítima do Reino assim como seu marido. 

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c Roberta Del Carlo c  


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